O suicídio é um tema que não é abordado com muita frequência, ainda que seja uma das principais causas de mortes no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, mais de 700 mil pessoas perderam suas vidas em decorrência do suicídio. Um número alarmante que supera as fatalidades causadas por doenças como o HIV, malária, câncer de mama e até conflitos armados e homicídios.

Além disso, para cada caso consumado, há inúmeras tentativas que não resultam em óbito, mas continuam a evidenciar a urgência de intervenção e apoio. No Brasil, as taxas de suicídio vêm demonstrando um aumento preocupante. Aproximadamente 38 pessoas cometem suicídio diariamente no país.

É preciso que as pessoas percebam como o assunto é complexo, para que elas procurem ajuda quando precisarem e ajudem amigos e familiares que possam estar passando por momentos difíceis. A conscientização pode ajudar a combater o estigma e, o mais importante, salvar vidas!

Por que o suicídio é um tabu?

O suicídio tem sido um assunto envolto em tabu ao longo dos séculos, tornando difícil a discussão franca e aberta. Esse relutância em abordar o tema abertamente tem raízes profundas em diferentes culturas e tradições, e entender isso requer uma análise detalhada.

Uma das razões para esse tabu está nas crenças religiosas e filosóficas antigas. Em muitas culturas, o suicídio era considerado um desafio ao divino ou à ordem natural das coisas. A visão de que a vida é um presente divino e intocável contribuiu para a ideia de que tirar a própria vida desafiava a vontade de Deus.

Isso se manifestou de diversas maneiras, desde a negação de ritos fúnebres para aqueles que cometeram suicídio até a recusa em permitir sua entrada em lugares sagrados. Além disso, influências de códigos legais e morais também tiveram um papel importante na construção do tabu.

Em muitas culturas antigas e medievais, o suicídio era penalizado após a morte do indivíduo, resultando na proibição de rituais de sepultamento apropriados ou até mesmo no confisco de propriedades. Essas consequências legais adicionaram uma camada extra de vergonha ao ato, reforçando a ideia de que o suicídio era inaceitável em qualquer circunstância.

O suicídio e o Efeito Werther

Outro motivo pelo qual o suicídio não é abordado tem relação com a crença de que falar sobre o assunto pode levar a imitações. O “Efeito Werther” é um fenômeno que envolve como a representação do suicídio na mídia e na sociedade pode influenciar as taxas reais de suicídio. Esse efeito tem origem no livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, escrito por Johann Wolfgang von Goethe em 1774.

O enredo do livro conta a história de um jovem que, após sofrer desilusões amorosas, acaba tirando a própria vida. Após a publicação, houve relatos de jovens leitores que começaram a imitar o personagem, usando roupas parecidas e até cometendo suicídio de forma similar. Esse comportamento imitativo gerou preocupações e levou à proibição do livro em alguns países, como Itália e Dinamarca.

O “Efeito Werther” trouxe à tona discussões sobre como o suicídio é retratado na mídia e como essa representação pode influenciar pessoas vulneráveis. A ideia é que a exposição repetida e insensível a detalhes de suicídios pode aumentar as taxas de suicídio, já que algumas pessoas podem imitar devido à identificação com os personagens ou situações retratadas.

Por isso, é fundamental abordar o suicídio de forma sensível e responsável. A mídia deve evitar detalhes explícitos sobre os métodos, pois isso pode inadvertidamente influenciar pessoas lutando contra pensamentos suicidas.

Embora o “Efeito Werther” tenha levantado discussões importantes, é crucial lembrar que a conscientização sobre saúde mental e prevenção do suicídio também são essenciais. Focar somente no “Efeito Werther” pode simplificar demais o tema, não considerando os problemas psicológicos que podem levar alguém a considerar o ato.

Efeito Papageno

O “Efeito Papageno” é um conceito relacionado à prevenção do suicídio, inspirado no personagem Papageno da ópera “A Flauta Mágica” de Mozart. Nessa história, Papageno enfrenta pensamentos suicidas, mas é ajudado por outros personagens que o lembram das coisas boas da vida e o incentivam a buscar soluções para seus problemas.

O termo “Efeito Papageno” destaca o potencial positivo da mídia em influenciar comportamentos de maneira construtiva em relação ao suicídio. Basicamente, o conceito sugere que a mídia pode desempenhar um papel semelhante ao transmitir mensagens de esperança, apoio e prevenção do suicídio.

Ele enfatiza a importância de abordar o tema de forma positiva, compartilhando informações e histórias que inspirem pessoas em momentos difíceis a procurar ajuda, encontrar alternativas e entender que é possível superar o sofrimento. Isso contrasta com a abordagem de romantizar o suicídio ou focar apenas nas tragédias.

Campanhas como “Setembro Amarelo” e “Janeiro Branco” são exemplos desse tipo de abordagem positiva. Em uma sociedade em que há muitas fontes de informação, é crucial que pessoas capacitadas lidem com um assunto tão complexo. Isso ajuda a criar um ambiente que promove a conscientização da prevenção do suicídio de maneira responsável.

Suicídio é crime?

É comum surgirem questionamentos sobre a legalidade do suicídio. Em certos lugares, ainda é considerado crime, acarretando punições legais. No entanto, no Brasil, tirar a própria vida não é tratado como um crime, já que essa não é a maneira mais eficaz de abordar a situação.

Atualmente, compreende-se que a maioria das pessoas que consideram o suicídio, ou tentam praticá-lo, enfrenta distúrbios mentais, como depressão e ansiedade. Por isso, é mais relevante concentrar-se na saúde mental, oferecendo tratamento, apoio emocional e discussões abertas sobre o tema.

Tornar o suicídio uma ação criminosa pode produzir o efeito oposto ao desejado, afastando as pessoas da busca por ajuda. É preferível criar um ambiente onde as pessoas possam falar sobre seus sentimentos e procurar auxílio sem receios.

É importante notar que o Código Penal, no artigo 122, estabelece que incentivar ou induzir alguém a cometer suicídio, bem como prestar assistência para sua consumação, pode resultar em punições legais. A gravidade da pena varia conforme as circunstâncias, sendo mais severa se o suicídio for efetivado ou se houver lesões corporais graves durante a tentativa.

Como lidar com pensamentos suicidas?

Lidar com pensamentos suicidas não é motivo de vergonha. É um sinal importante de que é hora de buscar ajuda profissional. Assim como cuidamos do nosso corpo, a saúde mental também merece nossa atenção. Veja algumas dicas para lidar com esses momentos:

Não se isole

Evitar ficar sozinho é muito importante. Não hesite em compartilhar seus sentimentos com alguém de confiança. Conversar sobre esses pensamentos pode trazer alívio, permitindo que você veja o problema de um ângulo diferente.

Lembre-se de que esses pensamentos são temporários

Os pensamentos suicidas são passageiros e, apesar de em alguns momentos eles conseguirem se sobrepor aos positivos, é importante confrontá-los e não deixar que eles dominem. Tente criar uma barreira entre esses pensamentos e qualquer ação impulsiva.

Leve em consideração de que você está no controle e que, assim como chegam, esses pensamentos também se vão.

Busque ajuda

Por fim, procure ajuda o mais cedo possível. O tratamento psicológico e psiquiátrico salva vidas e pode mostrar para você uma perspectiva com novas soluções e caminhos. Se houver uma crise e não tiver a quem recorrer, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV).

A organização oferece apoio emocional e trabalha na prevenção do suicídio. Eles estão disponíveis 24 horas por dia, e você pode conversar gratuitamente com um voluntário por meio de um chat online ou ligando para o número 188.

Lembre-se de que pedir ajuda é um passo importante para se sentir melhor e encontrar soluções para enfrentar esses momentos difíceis.

Como falar com alguém em crise ou com risco de suicídio?

Se deparar com alguém que está passando por uma crise ou demonstra sinais de risco de suicídio é uma situação complexa, sendo essencial agir de maneira sensível e cuidadosa. Abaixo, estão algumas dicas das cartilhas do Ministério da Saúde e da Fiocruz:

Não subestime a situação

Não ignore as falas ou sinais de alguém que expressa pensamentos suicidas. Frases como “eu tenho vontade de sumir” ou “não aguento mais” podem indicar que essa pessoa precisa de apoio. Mostre que você está lá para ajudar.

Converse abertamente e sem julgamentos

Ofereça um ambiente seguro para a pessoa expressar seus sentimentos. Ouça com empatia, sem julgar. Isso pode fazer toda a diferença e mostrar que você se importa.

Impeça o acesso aos meios e busque ajuda

Se a pessoa está em risco iminente, tome medidas para garantir que ela não tenha acesso a meios que possam causar danos, como medicamentos ou armas.

Além disso, evite deixá-la sozinha, busque ajuda de profissionais de serviços de saúde de emergência e entre em contato com alguém de confiança indicado pela própria pessoa.

O que não fazer

Ao abordar alguém que está passando por uma crise ou apresenta riscos de suicídio, é igualmente importante entender o que não fazer para evitar agravar a situação. Aqui estão algumas orientações:

  • Não ignore a situação – não acredite na ideia de que “quem fala não faz”. Trate a situação com seriedade e esteja disponível para ajudar.
  • Não expresse reações de choque e constrangimento – se a pessoa compartilhar seus sentimentos suicidas, evite reagir com choque ou constrangimento. Manter a calma e a compostura é fundamental para criar um ambiente de apoio.
  • Não faça promessas vazias – evite dar garantias de que tudo ficará bem sem tomar medidas concretas para ajudar, pois isso pode minar a confiança da pessoa em busca de ajuda.
  • Não desafie a pessoa – nunca desafie ou encoraje a pessoa a cometer o suicídio, mesmo que seja em tom de brincadeira. Isso pode piorar a situação e aumentar o risco.
  • Não minimize a situação – não diminua os sentimentos da pessoa dizendo que o problema não é importante ou que outros têm problemas piores. Respeite o que ela está passando.
  • Não faça julgamentos – frases como “isso é covardia” ou “é falta de vergonha” não são úteis e podem afastar a pessoa de buscar ajuda.
  • Cuidado com as frases vazias de incentivo – evite usar frases genéricas como “levante a cabeça” ou “pense positivo”. Essas palavras podem parecer insensíveis ao que a pessoa está enfrentando.
  • Não jure segredo absoluto – não prometa manter segredo absoluto sobre a situação. É importante buscar ajuda de profissionais ou pessoas confiáveis para garantir o suporte necessário.
  • Não faça comparações – evite fazer comparações com outros casos, dizendo que alguém está pior e não cometeu suicídio. Cada situação é única, e essa abordagem não é construtiva.

Lidar com alguém em crise requer sensibilidade, empatia e respeito. Além disso, é importante buscar profissionais capacitados para ajudar.

Quer saber mais sobre o tema? Confira a nossa campanha “Falar agora para evitar sentir depois”:

Referências:

https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide

https://vitaalere.com.br/wp-content/uploads/2019/09/425263625-Como-Falar-de-Forma-Segura-Sobre-Suicidio.pdf

https://brasil.un.org/pt-br/132195-uma-em-cada-cem-mortes-ocorre-por-suic%C3%ADdio-revelam-estat%C3%ADsticas-da-oms

https://www.crmpr.org.br/Combater-o-tabu-para-evitar-o-suicidio-13-28825.shtml

https://www.ippesbrasil.com.br/wp-content/uploads/2018/07/Niederkrotenthaler-2010.pdf

https://www.abrata.org.br/suicidio-o-tabu-que-mata/

https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/-precisamos-romper-tabus-e-discutir-abertamente-o-suicidio-afirma-psicologa-do-pjsc